Divulgada no último dia 17, a Resolução nº 4.454 do Conselho Monetário Nacional (CMN) trouxe outra importante novidade para o cooperativismo financeiro, ao determinar que, pelo menos uma vez no ano, as cooperativas singulares, suas centrais e as confederações (de crédito ou não) sejam submetidas a uma auditoria cooperativa. Os bancos cooperativos e as organizações controladas pelo setor cooperativo estão fora do alcance da norma.
A execução dessa atividade ficará a cargo de empresa do próprio setor cooperativo, através das chamadas Entidades de Auditoria Cooperativa – EAC (na forma societária de confederação de cooperativas – ex.: CNAC), ou poderá ser atribuída a uma empresa de mercado dentre as autorizadas, pela CVM, a prestar serviços de auditoria de balanço, ambas previamente credenciadas pelo Banco Central do Brasil (BCB).
Quanto à natureza jurídica da entidade a dar conta dessa incumbência há uma importante mudança em relação à proposta originalmente veiculada através da Consulta Pública 48/14, do BCB, uma vez que lá, conforme aspiração do setor, se previa apenas “entidade constituída como cooperativa de terceiro nível, integrada por centrais de crédito, confederações de crédito ou pela combinação de ambas”. É nesse particular, por sinal, que se concentraram os principais debates pré e imediatamente pós-divulgação da medida…
De toda a forma, à luz do texto que acabou prevalecendo, há um conjunto de mecanismos que permitirão uma seleção rigorosa e um controle bastante efetivo do BCB sobre as empresas participantes desse especializado mercado, além da institucionalização do controle externo, periódico, de qualidade dos processos adotados pelas prestadoras. No limite, a ação do BCB pode resultar em desconsideração dos trabalhos, substituição e cancelamento do credenciamento das executoras.
Adicionalmente, assegura-se a total transparência das constatações materialmente relevantes tanto ao BCB como às entidades e seus órgãos colegiados superiores dos sistemas cooperativos associados.
O normativo contempla, também, uma delimitação suficientemente abrangente sobre o tipo de avaliação a ser feita e define a extensão mínima do escopo a ser coberto em cada uma das verificações, previsões oportunas dada a necessidade decorrente da constituição do fundo garantidor do cooperativismo financeiro (FGCOOP), que, diante da solidariedade passiva dos entes membros, requer um padrão mínimo de auditoria em relação ao conjunto dos participantes.
A resolução faculta que a auditoria cooperativa e a externa sejam prestadas de forma cumulativa, de modo que uma mesma empresa (EAC ou firma não cooperativa) pode ocupar-se das duas atividades, o que gera potencial racionalização de custos para as cooperativas auditadas.
A propósito de economia, há que se eliminar, numa segunda etapa, o paralelismo resultante da manutenção do art. 35 e seus incisos da Resolução 4.434, de 2015, de modo que as centrais e/ou suas confederações não tenham mais de continuar fornecendo serviços (de supervisão) idênticos aos previstos na presente resolução.
As primeiras auditorias nos moldes da recém-editada resolução devem ser feitas:
até 31-12-2016 para as confederações e as cooperativas singulares plenas integrantes de sistemas de três níveis;
até 31-12-2017 para centrais, demais cooperativas plenas e as clássicas integrantes de sistemas de três níveis;
até 31-12-2018 para as demais cooperativas, incluindo as de capital e empréstimo (as quais, nos termos do art. 15 – que acrescenta o §3º ao art. 43 da Resolução CMN 4.434/15 -, passam então a ser dispensadas de auditoria externa)
Por fim, há ainda dois aspectos importantes a salientar. O primeiro deles, partindo-se de uma interpretação não restritiva do §2º do art. 12 da Lei Complementar (LC) 130, de 2009, é a circunstância de que – tal como o BCB, as confederações e as centrais – as empresas (cooperativas ou não cooperativas) que vierem a prestar os serviços de auditoria cooperativa, equiparadas que foram pelo CMN a entidades de supervisão local, também poderão convocar assembleia geral extraordinária no âmbito das cooperativas auditadas, facultando-se-lhes enviar representante com direito a voz.
O segundo aspecto refere-se ao disposto no art. 13 da mesma LC 130, cujo dispositivo, ao prever a não violação do dever de sigilo pelo acesso a informações pertencentes a cooperativas de crédito, limita essa prerrogativa às cooperativas centrais de crédito, às confederações de centrais e demais entidades constituídas por esse segmento financeiro, não ressalvando as empresas externas ao setor. Aqui parece ser necessário um esforço maior de interpretação, ainda que a Resolução CMN 4.454, no seu art. 12 (que tem supedâneo no art. 12, V e VI, da própria LC 130), preveja – com razão – o acesso irrestrito a informações e documentos das entidades sujeitas à auditoria. De toda forma, é prudente que se aprofundem reflexões a esse respeito e, sendo o caso, por cautela jurídica, adotem-se providências formais (de salvaguarda) complementares.
Em exame superficial, esses parecem ser os temas de maior impacto da recente inovação normativa. Uma observação mais atenta, combinada com a devida experimentação do novo expediente, dará uma noção real do seu alcance, podendo até mesmo – o que é natural – indicar eventuais pontos de aprimoramento, notadamente para que, sem prejuízo da qualidade da supervisão, se cumpra o objetivo maior de reduzir custos de observância no meio cooperativo financeiro.
Ênio Meinen, advogado, pós-graduado em direito (FGV/RJ) e em gestão estratégica de pessoas (UFRGS), e autor/coautor de vários artigos e livros sobre cooperativismo financeiro – área na qual atua há 32 anos -, entre eles “Cooperativismo financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios”. Atualmente, é diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob). |